Quando era criança eu tinha uma galinha garnisé de estimação chamada Jony, que era o nome de um personagem de um programa infantil :p (depois que escrevi isto descobri que o nome dele era Kurt na verdade, mas manti o nome do texto de Jony porque é uma licença que estou tendo). Garnisé não é o nome de uma raça específica mas de uma variação menor de outras raças, e este nome pode dizer muito sobre a história da frango como animal doméstico. Em inglês garnizé é bantam, nome do lugar de onde as primeiras variantes pequenas vieram, na Indonésia. Mais tarde a palavra evoluiu para descrever um lutador (humano) pequeno, mas "bravo", o que mostra um dos principais destinos dos bantams e de outras raças, a briga de galos. A galinha tem uma grande representação em nossas mídias e culturas, mas até aí ela o é assim como qualquer animal doméstico, entretanto falar sobre sua domesticação e história é falar sobre como os seres humanos interagem com os animais ao seu redor e como estes são os principais atores em questões éticas. O seu ancestral é o galo-banquiva, eles até são considerados a mesma espécie, sendo classificados como Gallus gallus domesticus e Gallus gallus respectivamente. Só que alguns estudos mostram que os frangos possuem genes das outras três espécies selvagens dos Gallus (como o Gallus lafayettii, Gallus sonneratii e Gallus varius) o que influenciou muito na quantidade de variedades e formatos de galinhas que existem. A domesticação aconteceu repetidamente em diferentes épocas e nas regiões da Índia, China e o sudeste asiático, portanto as hibridizações aconteciam não somente entre os animais selvagens, mas entre os animais domésticos de outras ondas de domesticação e outros híbridos também. Então o tempo também influenciou nas variedades delas. Entretanto o que se imagina é que os galos começaram a ser domesticados pelos seus valores religiosos e para a prática da briga de galos. Só que na região da Cisjordânia podem ser encontrados registros fósseis de galinhas do período helenístico (que começa depois da morte de Alexandre, o grande) em quantidades e localizações que podem indicar o começo da exploração econômica de sua carne. Muito provavelmente por causa do clima e de problemas na criação de animais grandes os habitantes se voltaram à criação de galinhas para poderem comer. E como a região era de grande importância comercial muitos povos se encontravam ali, o que ao mesmo tempo pode ter introduzido a ave como um pássaro exótico do oriente e mais tarde a distribuída para as outras partes do globo. Mesmo assim os valores simbólicos delas não foram esquecidos, os romanos as usavam para prever resultados de batalhas dependendo do apetite delas, e a briga de galos existiu por muito tempo havendo clubes e pessoas especialisadas em cruzar e criar melhores lutadores, da mesma forma que cruzavam para encontrar a que melhor botava ovos, que melhor engordava e que melhor servia de animal de estimação. Um gene interessado na criação de galinhas de estimação é o dos ovos verdes e azuis das araucanas que tem uma história genética ao mesmo tempo confusa e interessante. Para uma delas ter característica de animal de estimação, entretanto, não precisa de nada específico, elas já são dóceis e se apegam aos seus donos. E os donos se apegam à elas. Um diário de um garoto do século 18 mostrou como um frango com características humanas era tão divertido para ele. Dentre os pequenos desenhos que ele fazia, em que o ambiente matemático das suas tarefas de escola se confundiam com paisagens e objetos do seu cotidiano, há uma galinha vestindo calças :D Hoje em dia a briga de galos é proibida em grande parte dos países, no Brasil desde 1934, só que as discussões éticas envolvendo galos não termina aí e toma um lado extremamente específico com a criação do projeto da Galinhossauro do paleontólogo Jack Horner. O plano consistia em exagerar os traços genéticos escondidos na ave e fazer com que ela retome características dos antepassados dinossauros. Muitos indivíduos (nós inclusive) podemos acabar retomando vestígios raros destes traços em seus corpos, como pequenas nadadeiras traseiras em um golfinho e mais de dois mamilos em humanos. É um assunto que tem haver com galinhas de estimação obviamente porque quem não gostaria de ter um dinossauro em casa? Muito provavelmente você deve ter ouvido sobre o assunto em reportagens do fantástico há alguns anos e se perguntado como está este projeto. Um vídeo (em inglês) do canal do TREY the Explainer (que inclusive trabalha em um laboratório que recebeu investimentos para o projeto) fala sobre a crise ética de se tentar criar uma atração viva um tema presente nos próprios filmes do Parque dos Dinossauros. Em determinado momentos Horner fala como o projeto encontrou alguns problemas na recriação de algumas características da ave e que poderia usar transgenéticas para resolver, o que significa que seriam usados outros genes de outros animais para exagerar esses traços, o que poderia trazer complicações ao indivíduo sendo criado. Na genética entretanto, nem tudo é altamente questionável quanto a galinhossauro. Um projeto conseguiu criar galinhas genéticamente modificadas que podem produzir proteínas específicas para ajudar no tratamento à artrite, certos tipos de câncer e outras doenças virais. As drogas produzidas não são suficientes para o uso comercial humano por enquanto, mas já são usadas para animais de fazendas. Desse jeito, conseguimos encontrar as diversas essências humanas em apenas este animal doméstico; em como tratamos e usamos elas, em representações artísticas e escondida em seus próprios nomes, pois assim como o nome Bantam representa o nome do lugar de onde o animal veio, seu nome em potuguês, Garnisé, vem do nome da ilha Guernsey de onde elas então vieram para o Brasil. Se você achou interessante a foto da galinha de calças talvez você se interesse também pelo acervo online do museu da vida rural inglesa e nos seus museus irmãos da Universidade Reading na coleção digital deles. Além dos objetos do museu rural também há objetos do museu de zoologia, o museu de arqueologia grega, o arquivo dos estudos da Alemanha Oriental e muitos outros. Referências:
https://www.smithsonianmag.com/history/how-the-chicken-conquered-the-world-87583657/ https://www.etymonline.com/word/bantam https://www.npr.org/sections/thesalt/2015/07/20/424707879/the-ancient-city-where-people-decided-to-eat-chickens https://jus.com.br/artigos/6103/inconstitucionalidade-e-ilegalidade-das-rinhas-de-galo https://youtu.be/frgtm4x2QFI https://www.bbc.com/portuguese/geral-47030146 https://collections.reading.ac.uk/
1 Comentário
Rosana Garcia Nunes Flores
24/11/2020 22:26:32
Vc sempre gostou de histórias, sempre gostou de leituras.
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AutorSobre mim só precisa saber que faço bordado, escrevo, leio e gosto de pescar. Sobre profissão e estudos não se fala na mesa de jantar, mas sobre essa questão curso conteúdos ligados à informação e ciências sociais aplicadas. ArquivoCategorias |